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sábado, 30 de janeiro de 2010

Essa tal modernidade.

Eu bem que tentei avisá-la. Sempre disse que essas coisas de conhecer gente pela internet não podia dar em nada, mas não adiantou. No desespero de se livrar do chifre do marido, minha amiga Cleide, antropóloga, 47 anos, três filhos criados, caiu nessa e começou a conversar com o computador.
Eu que sou a vizinha burra, que não estudei nem nada, já sabia de tudo e pela primeira vez me senti melhor do que ela, posso até dizer que raciocinei.
Vê se pode, ela marcou um passeio no cinema com o tal do moço. E eu ainda falei:
- Cleide, não faz isso menina, você nem sabe quem é ele e vai ao cinema? No meu tempo agente só ia ao cinema quando noivava. E ela respondeu:
- Dona Maria, fique calma. Os tempos mudaram, ele não é nenhum bandido, não se preocupe nada de mal vai acontecer. Em algumas horas eu estarei de volta, e venho lhe contar como foi o encontro.
O que eu podia fazer? Deixei ir.
Dessa vez ela voltou, e começaram a namorar. O nome dele era Valdir, e eu não ia com a cara dele não, mas a Cleide gostava. Gostava tanto que em três meses se mudou para a casa dele.
Um tremendo desaforo, afinal ela tinha compromissos. Tudo bem, os filhos já eram criados, mas e as aulas?
Cleide duas vezes por semana alfabetizava adultos lá no bairro, e eu era uma das alunas. Tudo bem, a turma já tinha encerrado, mas e o nosso chá da tarde? E a nossa pipoca?
Foi ela que me ensinou a passar catchup na pipoca, e a ler coisas bonitas.
Lembro bem quando ela me deu um livro, o meu primeiro livro. Fiquei tão feliz que até decorei uma frase que dizia assim: “Não posso mover meus passos por esse atroz labirinto.” Eu não sabia o que isso queria dizer, mas achei tão bonito e fiquei tão cismada com essa palavra: atroz, atroz, que fiquei esperando a Cleide lá no portão da escola e mal ela chegou eu já disse a frase para ela.
Mas ai ela me olhou com uma cara de estranheza, e eu perguntei:
- Cleide, cada palavra bonita que essa moça usa para escrever. Gostei muito do livro, mas o que é atroz?
Ela me explicou que atroz, é assim como se fosse cruel, como se a pessoa do livro tivesse presa no labirinto com aperto no coração.
Chorei muito, porque eu pensei que atroz fosse uma coisa boa, mas depois ela me explicou que no texto a moça que escreveu, a autora, fala bonito, faz brincadeira com as palavras e me disse até que tudo isso é ficção, que é mentirinha e que eu não precisava chorar.
Eu entendi e por isso sinto tanta falta, ela me explicava às coisas e eu aprendia. Me sentia inteligente.
Outro dia ela veio aqui em casa, e por acaso eu estava com os olhos cheios de água, mas foi por conta da cebola, imagina que eu ia chorar pela Cleide.
Entrou, sentou na cozinha, pegou na minha mão e me disse assim:
- A senhora lembra o quanto eu era infeliz por ter perdido o meu marido? Hoje eu estou muito feliz, e quero que saiba que eu nunca vou abandoná-la, mudei de casa, mas sempre virei lhe ensinar, aprender e comer pipoca. Tudo continua como antes, apenas o meu endereço mudou.
Eu sosseguei, entendi que ela estava feliz e fiquei feliz também. Dei um abraço nela e disse baixinho em seu ouvido:
- Não vai esquecer de trazer o catchup.